Canibais e Reis

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11 de Novembro, 2010

Em doentes cardíacos, após 2 anos de “tratamento” com óleos vegetais e restrição de gorduras saturadas, mortalidade quintuplica com óleo de milho e triplica com azeite quando comparada a uma dieta sem restrições e com pequeno-almoço típico inglês

Autor: O Primitivo. Categoria: Dieta| Mitos| Saúde

 

Foto: Pequeno-almoço completo: Inglaterra

Um único estudo colocando à prova o azeite

"Before people rush off to embrace monounsaturated oils as the next cardiovascular elixir, they should know that the claimed heart-healthy benefits of these oils have never been demonstrated. Their rapid rise to stardom has been fueled almost entirely by tales of low CHD rates among southern European countries where olive oil often forms a staple of the diet. Ironically, the country with the lowest rates of CHD in southern Europe is the one with the greatest intake of highly saturated animal fats–France! Furthermore, the only group of researchers to ever put olive oil to the clinical test found it to be anything but a coronary liquid gold. Rose and colleagues randomized men with existing CHD to consume diets high in either corn oil, olive oil or animal fats for a period of two years, reporting their results in a 1965 issue of the British Medical Journal. By the end of the trial, only fifty-two percent of the corn oil group and fifty-seven percent of the olive oil group remained alive and free of heart attack. In contrast, a full seventy-five percent of the control subjects who kept eating their high animal fat diet remained free of either fatal or non-fatal heart attack (27). In other words, the likelihood of an adverse outcome decreased as the saturation of the main fat source increased."

Fonte: "The Great Cholesterol Con" (2006), pg. 177, Anthony Colpo.

Na sequência da pergunta "quantos estudos de intervenção existirão, de médio/longo prazo, colocando efectivamente à prova o azeite, comparativamente a outros óleos/ gorduras, no que respeita à doença cardiovascular?" tivémos a supresa de saber que existe apenas um único estudo deste tipo. Algo que até se poderá considerar inesperado, dadas as constantes campanhas oficiais em torno dos supostos benefícios do azeite mediterrânico para o coração. Se existem tantas certezas, seria de esperar que elas se baseassem em estudos de intervenção, que pelos vistos não existem e o único que existe não suporta de todo a ideia das gorduras mono e poliinsaturadas como salvadoras do coração. O povo da Europa com menor mortalidade cardiovascular, o francês, é justamente o que consome mais gorduras saturadas. Será por mera casualidade? E também os portugueses que consomem mais gorduras saturadas possuem menor risco de AVC. Ao contrário do que se pensa, poderão então as gorduras saturadas ser as mais saudáveis para o coração? O tal único estudo de intervenção existente, e que já a seguir analisaremos, é o estudo que realmente interessa, porque analisa os efeitos reais de óleo de milho, do azeite e de gorduras saturadas em doentes cardiovasculares, contabilizando eventos como mortes súbitas, infartos do miocárdio, dores cardíacas, etc. Não se limita a observar efeitos em parâmetros fisiológicos/bioquímicos, alguns deles obscuros e incompreensíveis como o LDL, e a partir daí inferir (em bom português, "palpitar") por via indirecta que determinada intervenção/alimento deve ser favorável ou não. Nem é um mero estudo epidemiológico donde se extrai causalidade, apesar de não ser possível extrair causalidade de estudos meramente observacionais por causa dos inúmeros factores de confusão incontroláveis e desconhecidos. Daqui deriva muita da mitologia em torno da Dieta Mediterrânica e dos seus alimentos "saudáveis", pois a norma tem sido extrair causalidade de estudos observacionais, de parâmetros ecológicos insuficientemente ajustados a factores de confusão que nem se sabe ao certo quais são. Sempre a epidemiologia a servir de base às maiores confusões e equívocos "científicos". Os investigadores da Dieta Mediterrânica partem sempre com a ideia à priori de que a sua dieta é a mais perfeita do mundo, e que por isso nem sequer vale a pena ter-se uma perspectiva evolucionária da alimentação humana, admitindo que muitos destes alimentos nunca existiram e que poderemos não estar geneticamente a eles adaptados. Por outras palavras, até agora nunca conseguiram, nem sequer alguma vez se preocuparam, em olhar para além do seu "quintal". Passadas estas criticas circunstanciais, vamos então ver o conteúdo do nosso estudo e conhecer ao certo quais as suas inesperadas conclusões. Pode acompanhar este raciocínio lendo aqui o artigo do British Medical Jounal em questão, cuja referência é esta: 

Br Med J. 1965 Jun 12;1(5449):1531-3.

Corn oil in treatment of ischaemic heart disease. (pdf)

ROSE GA, THOMSON WB, WILLIAMS RT.

Estamos em Londres, Inglaterra, ano de 1965, época em que a hipótese lipídica, a ideia de que níveis de colesterol são um factor principal das doenças cardiovasculares, começava a ganhar força, muito por causa das investigações pioneiras do Dr. Ancel Keys, o pai da hipótese lipídica, na década anterior. Toda a história do abaixamento de colesterol na prevenção cardiovascular está repleta de fracassos, simplesmente porque a relação de causa-efeito entre uma coisa e outra não existe ou é demasiado vestigiária para adiantar de alguma coisa. Você pode ler um resumo dessa história aqui e também aqui. Tenha em conta que as intervenções alimentares para baixar colesterol só foram tentadas nestas décadas iniciais da hipótese lipídica, depois foram abandonadas porque nunca funcionaram. Passou-se então, na década de 80, à era estatinária, que dura até hoje e com os resultados igualmente desencorajadores que já se conhecem. Mas voltando ao nosso estudo. Os investigadores começaram com a ideia de base de que a doença isquémica do coração estaria associada a níveis de colesterol elevado (nesta altura apenas se pensava em colesterol total, ainda não tinham descoberto as fracções "boas" e "más", hoje designadas HDL e LDL respectivamente). De igual modo, assumiram a evidência de que em certas populações colesterol alto estaria relacionado com gorduras animais, e que colesterol baixo se associava a gorduras vegetais. O raciocínio mais lógico seria então manipular as gorduras da dieta tornando-a mais vegetariana, aumentando as vegetais e diminuindo as animais para conseguir baixar os níveis de colesterol. Afinal, o óleo de milho é "rico em ácidos gordos polinsaturados, ácido linoleico essencial para um crescimento, desenvolvimento e funcionamento saudável do organismo [...] Desempenha também um papel importante na redução do colesterol, função vascular e sistema imunitário."  Para além disto, penso que também se inspiraram, muito provavelmente, num estudo anterior, realizado em 1963, apenas 2 anos antes, igualmente publicado no BMJ, em que se testaram os efeitos do óleo de milho (estes não utilizaram azeite, apenas óleo de milho), em doses rondando as 57gr de óleo de milho/dia, no abaixamento de colesterol. Apesar de se ter verificado uma mortalidade elevada e quase idêntica à agora obtida no estudo que aqui analisaremos em detalhe, também 5 mortes, não em 2 anos mas em 27 meses, esses investigadores não se aperceberam do problema e concluíram que "óleo de milho, com uma dieta "low-fat" e baixa em gorduras animais, é exequível a longo prazo como medida para baixar o colesterol, sendo segura, aceite pela maioria dos pacientes e tendo virtualmente nenhuma contra-indicação clínica."  

Foto: Pequeno-almoço completo: Escócia

Gorduras vegetais boas e gorduras animas más?

"No que respeita ao colesterol, algumas pessoas produzem-no e outras recebem-no pela comida. Caso os valores estejam elevado, reduza os enchidos, vísceras, ovos, carnes vermelhas e lacticínios, e aumente o consumo de legumes e saladas. Tenha cuidado com as gorduras que venham dos animais ruminantes: vaca, borrego, cabrito, dos seus lacticínios (muito cuidado com manteiga e queijos gordos); com as gorduras totais animais, principalmente dos enchidos; com as vísceras; com o chocolate (principalmente a manteiga de cacau, enquanto que o chocolates com mais de 70% de cacau não é tão prejudicial), o coco e as gorduras hidrogenadas (veja bem as letras pequenas dos rótulos, onde se diz gordura vegetal hidrogenada). Assim, o ideal será sempre reduzir as gorduras nefastas, que sobem o colesterol mau, e substituí-las pelas benignas e importantes, que são as insaturadas, tanto as mono-insaturadas como as poliinsaturadas."

Fonte: Centro de Nutrição Fula.

Em face do conhecimento da altura, os investigadores ingleses Rose et al., do Hospital St. Mary, em Londres, conceberam então uma intervenção em 80 pacientes cardiovasculares, aos quais prescreveram, separadamente, óleo vegetal poliinsaturado de milho, supostamente "seguro e em virtualmente nenhuma contra-indicação clínica", e ainda o nosso mediterrânico azeite "saudável" para o coração. Recomendaram ainda, como não podia deixar de ser, também restrição de gorduras animais/saturadas. Repare que, apesar do que vai ler a seguir, os óleos vegetais mono e poliinsaturados ainda hoje são considerados saudáveis, pelos "especialistas" que vão à televisão dizer coisas e pela própria Organização Mundial de Saúde, só porque podem fazer baixar o colesterol. Os investigadores deste estudo reconhecem um facto importante, o de que os alimentos não valem isoladamente, só funcionam por substituição, pelo que os efeitos de substituição de um certo tipo de gorduras não implica necessariamente que as introduzidas sejam as responsáveis pelos novos efeitos, podendo estes ser antes resultados da omissão/supressão de outras. Ou seja, mais azeite pode ser benéfico não porque o azeite seja em si especial, mas porque as gorduras saturadas eliminadas seriam eventualmente prejudiciais. Não são e veremos isso mais adiante. A este propósito, é referido no estudo que a mortalidade cardiovascular na Itália e Grécia são baixas, países estes onde predomina a dieta mediterrânica "saudável" e onde se consome muito azeite, óleo este que, como sabemos, possui um efeito praticamente neutro no perfil lipídico. Se isto é bom ou é mau não sabemos. O que não é bom é existirem doenças cardiovasculares em humanos, uma condição desconhecida de povos primitivos ao longo de todo o seu percurso evolucionário. Se a dieta mediterrânica fosse assim tão milagrosa como se pensa, então não existiria mortalidade cardiovascular nos países que a adoptam.

Qual foi então a dieta dos 2 grupos de intervenção neste estudo, cuja duração total foi de 2 anos? Um grupo passou a consumir cerca de 58gr (595kcal) de óleo de milho e o outro cerca de 64gr (540kcal) de azeite diariamente, e ambos foram instruídos para evitar as comidas consumidas livremente pelo grupo de controlo: fritos, carnes gordas, salsichas, produtos de pastelaria e bolos, gelados, queijos, etc. Ou seja, todas as comidas boas, saborosas e que fazem uma pessoa feliz! Nestes dois grupos foram também restringidos o leite, ovos e manteiga. Porque a manteiga faz mal ao coração, devemos comer é muita margarina com óleos vegetais poliinsaturados muito "saudáveis". Por sua vez, o grupo de controlo continuou com a sua dieta típica inglesa, altamente prejudicial e precisamente a que os conduziu à doença cardiovascular, continuando a consumir as gorduras animais livremente, designadamente as de todos os alimentos mortais já referidos. As dietas de todos os 3 grupos resultaram sensivelmente isocalóricas, este é um aspecto muito importante a ter em consideração. Convenhamos que os indivíduos no grupo de controlo teriam razões para desfrutar da sua doença com muito maior felicidade que os dos grupos de intervenção. Algum inglês ficaria contente ao ver-se obrigado a abandonar o seu pequeno-almoço típico, baseado em salsichas, bacon e ovos, tudo isto frito na gordura britânica de eleição, a banha de porco? Os pacientes cardiovasculares dos 2 grupos de intervenção deste estudo foram portanto condicionados alimentarmente, tendo-lhes sido imposto aquilo que os próprios investigadores designam por "regime [alimentar] desagradável". Mas os do grupo de controlo não, continuaram a comer a seu gosto. Terão tido alguma vantagem cardiovascular em virtude desta imposição médica forçada, promovida em nome da redução do colesterol e da hipótese lipídica? Vejamos mais adiante os resultados.

Fonte: Corn oil in treatment of ischaemic heart disease.

 

Foto: Pequeno-almoço completo: Irlanda do Norte

Os resultados inesperados

"Quando se fala no colesterol bom e mau do sangue, fala-se de umas moléculas transportadoras, as lipoproteínas, que funcionam como um camião de colesterol. O colesterol-HDL é um camião que tem a capacidade de absorver os cristais de colesterol que começam a ser depositados nas paredes das artérias e de o transportar para o fígado onde é eliminado, enquanto que o LDL pode ser considerado um camião praticamente cheio de colesterol, que transporta o colesterol do fígado até ás células dos outros tecidos. É por isso que os efeitos na saúde são tão diferentes: o HDL é protector do sistema cardiovascular, e o LDL aumenta o risco de doença. Os alimentos que nos fornecem colesterol são sempre de origem animal: vísceras, enchidos, carnes, e gorduras do leite (natas, manteiga, queijo gordo), ovos, e muitos dos produtos de pastelaria, doces ou salgados. O corpo humano tem capacidade para produzir todo o colesterol de que necessita pelo que a sua ingestão via alimentos deve ser evitada."

Fonte: Centro de Nutrição Fula.

No que respeita ao abaixamento de colesterol total, não há dúvida que o grupo do óleo de milho conseguiu uma redução consistente, rondando sempre, ao longo do período de 2 anos do estudo, valores na ordem das 20 a 30mg/dl. Modesta quando comparada à actualmente proporcionada por uma terapia agressiva com estatinas, mas nem por isso desprezável. O colesterol alto entope as canalizações das artérias, pelo que devemos evitar colesterol em alta. Mas e no que respeita aos resultados/eventos, a chamada "contagem de corpos"? Os quadros mais abaixo resumem os desfechos observados nos vários grupos ao longo dos 4 semestres do estudo. Em matéria de eventos fatais/cardiovasculares, ou seja, morte súbita e infartos do miocárdio, indicados nas duas primeiras linhas de cada tabela, no grupo do óleo de milho ocorreram 5 mortes (3 no primeiro semestre, 1 no segundo e 1 no terceiro), no grupo do azeite ocorreram 3 mortes (1 morte em cada um dos três primeiros semestres) e no grupo de controlo apenas ocorreu 1 morte no terceiro semestre.  Ou seja, em relação ao grupo de controlo, a mortalidade observada no grupo do óleo de milho foi quíntupla (5x superior) e no grupo do azeite foi o triplo (3x), e nestes dois grupos ainda por cima ocorreu com maior celeridade. Visto por outro ângulo, se ninguém tivesse consumido óleos vegetais, no grupo do óleo de milho seriam esperadas menos 4 (5-1) mortes que as ocorridas, e no do azeite menos 2 (3-1) mortes, pelo que este "tratamento" com óleos vegetais "saudáveis" causou desnecessariamente 6 mortes prematuras. Para além disto, 2 pacientes dos grupos de intervenção com óleos vegetais desenvolveram diabetes, um proveniente de cada grupo. Os investigadores referem que um deles já era pré-diabético mas que a sua condição se agravou com o consumo de mais óleo (azeite ou de milho?). No final do estudo, a proporção de indivíduos que se manteve livre de eventos cardiovasculares foi de 75% no grupo de controlo, o tal grupo que não largou o seu típico pequeno-almoço inglês, de 57% no grupo do azeite e de 52% no grupo do óleo de milho. Possivelmente estas diferenças não foram ainda mais pronunciadas em eventos fatais porque, ao fim de 1 ano, os pacientes nos 2 grupos de intervenção deixaram de cumprir integralmente a recomendação médica e só estariam a consumir cerca de 60% das quantidades "ideais" recomendadas. O óleo de milho neste estudo foi realmente eficaz, baixou o colesterol e com isso produziu os seus efeitos. Os investigadores ingleses concluíram no final do estudo que o óleo de milho não poderia ser recomendado para o "tratamento" de pacientes com doença isquémica cardiovascular. E o azeite poderá ser recomendado, será muito melhor que o óleo de milho? Este estudo não o demonstrou, e também não existe mais nenhum estudo que o comprove.

Fonte: Corn oil in treatment of ischaemic heart disease (adaptado).

 

Foto: Pequeno-almoço completo: Irlanda

Conclusões a extrair

"Quando a Organização Mundial de Saúde recomenda que se consuma alimentos mais magros, não tem como objectivo fomentar a eliminação do consumo de gorduras ou óleos, mas que de entre os alimentos gordos se escolham os melhores (azeite, óleos vegetais, cremes de barrar, peixe, frutos secos) e se restrinja os alimentos ricos em gorduras saturadas, colesterol e ácidos gordos trans (carnes gordas, manteiga, banha, margarinas e cremes de barrar de chocolate feitas com óleo de palma, batatas fritas de pacote, produtos de pastelaria e alimentos que trazem no rótulo "gordura parcialmente hidrogenada"). Neste sentido, os óleos são essenciais e importantes na alimentação humana. Os óleos vegetais utilizados com mais frequência na nossa alimentação, apesar de serem 100% gordura, são ricos em ácidos gordos insaturados, e pobres em ácidos gordos saturados, e contêm um baixo teor de colesterol."

Fonte: Centro de Nutrição Fula.

Óleos vegetais podem ser altamente nocivos para a saúde do coração e matar pacientes cardiovasculares mais depressa que uma dieta livre, sem restrições de gorduras saturadas e onde esteja presente o típico pequeno-almoço inglês. Ou seja, a dieta típica inglesa dos anos 60 - com fritos, carnes gordas, salsichas, produtos de pastelaria e bolos, gelados, queijos, leite, ovos e manteiga - é provavelmente mais saudável, ou então menos nociva, para o sistema cardiovascular que a dieta moderna "low-fat" favorita dos nutricionistas restringindo destes alimentos e substituindo-os por óleo de milho ou mesmo azeite (Não foi por acaso que no Women’s Health Initiative Study a dieta "low-fat" aumentou a mortalidade cardiovascular em 26% nas mulheres que já possuíam a doença). É a principal conclusão que se pode extrair deste estudo clínico, não se está aqui a inventar nada que não tenha sido observado numa intervenção. Então, ao que parece, e é esta a tendência observada neste estudo, o grau de saturação dos óleos/gorduras que consumimos, e certamente também o seu nível de processamento industrial, aparentemente tem um papel relevante na saúde cardiovascular. Quanto mais saturadas as gorduras, menos processadas e degradas pelo calor, melhores para o coração e para a saúde em geral? O que aqui se observou foi que as gorduras mais insaturadas conduziram a desfechos cardiovasculares mais desfavoráveis, e em menor período de tempo, quando comparadas com as saturadas, as quais saem por isso como as grandes vencedoras deste estudo. Não há outras conclusões possíveis a extrair perante os resultados aqui apresentados. Ora, bem sabemos que estas conclusões são um bocado escandalosas para os padrões actuais, mas baseiam-se num estudo de intervenção efectivamente levado a cabo por investigadores ingleses do Hospital St. Mary, em Londres. Não se está aqui a teorizar em torno de estudos epidemiológicos, ou de efeitos indirectos em parâmetros fisiológicos/ bioquímicos, para depois inferir/palpitar coisas que nunca foram provadas em intervenção. Apesar de tudo, devemos ter em conta que se trata de um pequeno estudo, com óbvias limitações e por isso com conclusões que devem ser interpretadas cautelosamente. Nenhum estudo vale por si próprio, deve ser sempre reforçado ou confirmado por estudos subsequentes, que no caso em apreço simplesmente não existem. Aparentemente, este é o único estudo colocando o azeite efectivamente à prova, comparativamente a outros óleos/gorduras, no que respeita à saúde cardiovascular. E o azeite saiu aqui como claro perdedor, ainda por cima mais próximo da nocividade do óleo de milho que das gorduras saturadas saudáveis. Mas não tire conclusões precipitadas, é como estou a dizer, este estudo é demasiado pequeno para que dele se possam assumir conclusões definitivas.

Fonte: Corn oil in treatment of ischaemic heart disease

 

Azeite é bom, só falta prová-lo

Isto poderá então significar que o azeite é necessariamente mau para o coração? Obviamente que não! O azeite é uma gordura tradicional, muito consumida no contexto da dieta mediterrânica e por povos onde a mortalidade cardiovascular tem sido sempre das mais baixas. Digamos que, pela sua ancestralidade, tem provas dadas, não precisa de provar nada em estudos científicos. O azeite é dos óleos alimentares mais saudáveis, embora não pareça pelos resultados unicamente deste estudo muito limitado. Estes últimos artigos neste blogue não pretendem atacar de forma alguma o azeite, isso nem faria qualquer sentido. Resultam somente, digamos, de um estilo de escrita, talvez algo hiperbólica em certas passagens, apenas com o intuito de chamar a atenção para o mito urbano do azeite e das gorduras poliinsaturadas como elixires cardiovasculares. "Os óleos vegetais aumentam as suas defesas naturais e promovem a boa saúde do seu coração." Vamos mesmo acreditar nisto. Na verdade e como estamos a ver, até prova factual em contrário por via de novo estudo de intervenção, não se poderá afirmar com certeza que o azeite é a panaceia de que tanto se fala, podendo até as suas supostas vantagens resultarem não propriamente da sua introdução na dieta, mas possivelmente de estarmos a suprimir/substituir outros alimentos/lípidos porventura mais desfavoráveis. Eu já tinha falado deste tema das gorduras e do seu efeito de substituição no artigo "Variabilidade regional da mortalidade cardiovascular na Europa ou como os povos mais protegidos são justamente os mais gordurosos". E não vou aqui elaborar sobre as inúmeras vantagens do azeite, há milhões de artigos sobre isso. A maior parte deles, em matéria cardiovascular, de fraco fundamento. Quanto às gorduras vegetais poliinsaturadas, jamais consumidas pelos humanos ao longo da sua evolução, excepto nos últimos 100 anos, são por regra tóxicas, aceleram o envelhecimento, promovem aterosclerose, processos inflamatórios, cancro e obesidade. Tudo coisas desagradáveis e a evitar!

 

Últimas reflexões

O objectivo deste ensaio é somente o de evidenciar/desmistifcar várias ideias modernas erradas, mitos urbanos que parecem eternos. Tais como a ideia incorrecta de que óleos vegetais poliinsaturados são saudáveis para o coração, na realidade são bastante nocivos e promotores de aterosclerose. Ou por exemplo a ideia também errada de que alimentos tradicionais ricos em gorduras saturadas são nocivos, são benéficos e vantajosos. Apesar de elevarem o colesterol, modelam favoravelmente as suas subfracções lipídicas diminuindo a sua aterogeneidade. E também a ideia errada de que níveis de colesterol alto são determinantes na progressão de doenças cardiovasculares, a ideia de base subjacente à hipótese lipídica já sobejamente abordada neste blogue. Será que tudo o que você leu acima aconteceu por mero acaso? Certamente que não, existem razões fisiológicas/bioquímicas poderosas por detrás de tudo isto. O problema das doenças cardiovasculares está altamente relacionado com radicais livres e com a propensão para a oxidação dos lípidos que temos em circulação, não tanto com as suas quantidades, a qual depende não só do grau de saturação desses lípidos mas também da existência de um ambiente inflamatório que potencie a sua degradação. As pessoas hoje em dia consomem demasiados cereais/amidos/açúcares e óleos vegetais/margarina, razão pela qual o seu tecido adiposo passou a incorporar cerca de 20% de gordura poliinsaturada "saudável". Esta percentagem em indivíduos primitivos rondaria os 5-10%, facto este que altera toda a composição celular e aumenta a peroxidação lipídica. Se você quiser ter uma ideia de como isto tudo interage, então leia os Capítulos 17 e 19 do livro The Great Cholesterol Con (2006), de Anthony Colpo, um livro que não me farto de citar nestas páginas. Num próximo artigo falarei destes capítulos extraordinários, absolutamente vitais para entendermos a sério de lípidos.

Para terminar, uma última nota de rodapé, para os menos atentos:
margarina = óleos vegetais poliinsaturados "saudáveis"!

 

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